sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

LUTO


 Meu nome é Gabriel. Luto para ver meu filho e netinho crescerem. Luto para viver, há dez anos com uma perna amputada em acidente de trânsito, em ultrapassagem indevida de motorista que me atingiu, na contramão. Ele fugiu de suas responsabilidades, não me socorreu, e depois voltou com latinhas de cerveja vazias, espalhando ao redor de minha moto, para configurar minha embriaguez, durante o depoimento no local, para a polícia. O povo amigo em volta fez valer a verdade, eu estava sóbrio, e procurei me afastar ao máximo do carro que vinha contra mim. Ao cair, percebi a posição de meu pé em postura estranha, a perna separada do corpo na altura da coxa, infelizmente sem preservar o meu joelho, o que teria facilitado muito minha marcha depois. Sem o joelho, um amputado gasta de 60% a 100% mais de esforço para se locomover do que uma pessoa que tem ambas as pernas. Não suportei muito tempo o hospital, assinei termo de responsabilidade e fui para casa. Hoje sei que precisaria ter recebido apoio técnico maciço neste momento, assim como meus familiares, para lidar com uma perda tão grande – em um dia eu era chefe de família, técnico de tecelagem, conseguindo sobreviver bem, sobrava serviço extra. No dia seguinte eu era uma pessoa com deficiência, com dor física e emocional, não sabendo que rumo dar para a vida, com a família assustada e triste à minha volta. Achei que a solução estaria em prótese importada. Vendi um carro que possuía para pagar. Consegui com pessoa da família reabilitação em fisioterapia, procurando me adaptar a esta nova forma de locomoção. Mas não suporto andar muito tempo. Dois anos depois do acidente, preocupado com feridas inexplicáveis em meus braços, procurei ajuda médica. Preciso utilizar o serviço médico público, às vezes lento demais para nossa angústia em preservar a saúde, e descobri que estava com hepatite C, provavelmente adquirida na transfusão de sangue feita às pressas quando entrei no hospital, já quase sem nenhuma pressão arterial. Agora luto para preservar minha saúde (e de minha família, é transmissível) e procuro conviver com os possíveis problemas que esta doença traz – fadiga crônica, ansiedade, depressão e dificuldades para usar meus conhecimentos e adquirir novos. Quero muitíssimo trabalhar, mas com dificuldades para locomoção e esta falta de energia, como? Em quê?Com que apoio social e técnico? Então eu luto pela vida, mas também luto para aceitar este momento. “Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar.” Clarice Lispector.

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