quinta-feira, 8 de março de 2012

Deficiente intelectual assume atendimento ao cliente

TONI SCIARRETTA

DE SÃO PAULO

Bancos, lojas e supermercados têm colocado funcionários com diferentes tipos de deficiência intelectual (como síndrome de Down e deficit de aprendizagem) na linha de frente do atendimento ao cliente.
Eram funcionários que estavam escondidos em atividades internas de empresas preocupadas em cumprir a lei de cotas (o setor privado é obrigado a empregar de 2% a 5% de deficientes), que agora lidam com o público.
Amparadas em treinamento especializado, empresas como Pão de Açúcar e Citibank descobriram nos deficientes intelectuais profissionais preocupados com o bem-estar do cliente e com aptidão acima da média para ouvir e atender diferentes pedidos.
São empacotadores e atendentes da mercearia do supermercado que não deixarão o freguês levar um produto de limpeza aberto, uma lata amassada ou algo sem condições perfeitas de uso. Não vão sossegar até resolver o problema de um cliente e ficarão incomodados se vir alguém mofar na fila do banco.
Quem vai à agência do Citi da Mooca (zona leste de SP) é recebido por Eduardo Ferreira Filho, 26, assistente de atendimento. Poucos sabem que Dudu, como é conhecido, só foi alfabetizado aos 16 anos e tem dificuldade de aprendizagem.
Enquanto o cliente espera, Dudu oferece café, pergunta se tem alguma conta para colocar em débito automático e se deseja fazer uma cotação de seguro do carro. "É sem compromisso. Vai que é melhor e mais barato?", diz.
"O Dudu é o relações-públicas da agência. E vende muito seguro. É o mais dedicado, não falta a um amigo-secreto, uma festa da firma. Nas férias, fica com saudade e vem visitar a gente", diz o gerente Rui Fontoura.
Empacotadora do Pão de Açúcar da rua Afonso Bovero (zona oeste), Roberta Macetti, 35, que tem síndrome de Down, conhece alguns fregueses pelo nome. Quando o movimento está fraco, ela se oferece para lavar a louça da copa dos funcionários. "Não gosto de ficar parada", disse.

CAFÉ COM LEITE

No Pão de Açúcar e no Citi, o funcionário deficiente tem carga horária, avaliação e salário iguais aos dos colegas na mesma função.
"Não pode ter 'café com leite'. A chave desses programas é o treinamento e o preparo do ambiente de trabalho. A presença do deficiente torna as pessoas mais solidárias, preocupadas.
Elas se sentem orgulhosas de trabalhar em lugar que respeita as diferenças e as limitações de cada um", disse Marcelo Vitoriano, gerente da Avape, que ajuda nos programas do Citi e do Pão de Açúcar.
Há no país cerca de 300 mil deficientes trabalhando. Desses, só 15 mil são intelectuais, ainda os menos incluídos no mercado de trabalho.
"O deficiente tem uma tolerância ao estresse maior do que a média da população. Como passaram por processos exaustivos de reabilitação, aprenderam a trabalhar a convivência, são socializados e tolerantes com as demais pessoas. É uma vantagem, uma habilidade que muita gente não tem", disse Linamara Rizzo Batti, secretária paulista do deficiente.
Depoimento: “Tenho Down e sou repórter, com orgulho”
Fernanda Honorato
Especial para a Folha
Quando eu era pequena, gostava de brincar que era a Marília Gabriela e entrevistava as pessoas da minha família. Se falasse naquela época para alguém que um dia eu seria uma repórter de verdade, ninguém acreditaria. Mas isso aconteceu.
Fui entrevistada no Programa Especial, da TV Brasil, que fala sobre pessoas com deficiência. A Ângela, diretora, gostou da minha entrevista e achou que eu podia ser repórter. Fez um teste comigo e passei.
Muita gente achou que ela era maluca de ter uma repórter com Down, mas deu tudo certo e me saí muito bem. O que a Ângela me disse foi que era importante ter o ponto de vista de uma pessoa com síndrome de Down no programa.

Muitas pessoas com Down, como eu, ficam felizes de serem entrevistadas por mim. Entrevisto também pessoas que não têm deficiência e faço reportagens sobre assuntos que não têm a ver com deficiência.

A relação com meus colegas de trabalho é ótima. Aprendo com eles, e eles, comigo. Dou ideias para reportagens, penso em perguntas e gosto de ir à ilha (de edição) espiar o que está acontecendo e ver como ficaram minhas reportagens.

Uma viagem de trabalho que gostei muito de fazer foi para a Bahia e estou muito animada com minha próxima, a primeira internacional. Vou para Nova York gravar na ONU, que pelo primeiro ano vai comemorar o Dia Internacional da Síndrome de Down (21 de março).

Tenho orgulho do meu trabalho. Sendo repórter, mostro à sociedade que podemos fazer muitas coisas. Fiquei feliz quando uma revista italiana disse que sou a primeira repórter com síndrome de Down no mundo.

Além de ser repórter, também sou rainha de bateria da Escola de Samba Embaixadores da Alegria (voltada para pessoas com deficiência), faço teatro no Grupo Teatro Novo, aula de dança cigana e natação. O apoio da minha família foi muito importante para eu chegar até aqui.

Fonte: Folha de São Paulo, 04 de março de 2012

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