quinta-feira, 1 de março de 2012

O INSS deve cobrar de motoristas a pensão das vítimas de acidentes?

SIM

Acerto jurídico


* MARCUS ORIONE

O INSS anunciou que pretende cobrar dos motoristas, na Justiça, os valores gastos em benefícios decorrentes de acidentes automobilísticos por eles causados com dolo (vontade de produzir o resultado danoso) ou com culpa grave.

Motoristas que dirigem embriagados ou em alta velocidade, por exemplo, causam acidentes que, não raro, ensejam o pagamento de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte.

Comprovada a responsabilidade do condutor do veículo, parece-nos juridicamente acertada a pretensão do INSS. Aliás, isso já ocorre quando há acidentes de trabalho que dão ensejo a benefícios quitados pela Previdência Social, devendo responder, em caso de dolo ou culpa grave, as empresas causadoras. Há, aqui, decisões judiciais favoráveis.

A partir da noção de Estado de Direito, é razoável que se adotem medidas contra os motoristas que fazem de seus veículos uma arma. Qualquer política pública relativa à segurança do trânsito poderia contemplar o que o INSS anunciou.

Ressalte-se que os montantes arrecadados devem ser destinados ao melhoramento de atuação da própria entidade. Na medida em que utilizará os seus servidores para a busca desse intento, nada mais justo que os valores se revertam, por exemplo, para reabilitação dos acidentados, serviço que, na prática, quase inexiste.

Se juridicamente tal pretensão nos parece adequada, há também outras implicações a considerar.

Inicialmente, percebe-se que o posicionamento adotado não se encontra no contexto de uma política pública preventiva de acidentes no trânsito. Da forma isolada como o projeto foi colocado, inspira uma forte impressão de que se trata de apenas mais um meio de buscar dinheiro para os cofres públicos.

Aqui, há o risco de que, após uma série de decisões judiciais a respeito do tema, os entes estatais passem a generalizar a busca de numerários por esse método, saindo de situações que são de mais clara responsabilidade do cidadão para outras em que a culpa deste não esteja bem divisada. A generalização dessa atuação pelo Estado seria perigosa, ameaçando a liberdade individual de forma severa.

Da mesma forma, indaga-se: a responsabilidade do próprio Estado também será observada pelo INSS? Afinal, não são incomuns acidentes graves, que geram benefícios previdenciários, em virtude da má conservação de vias públicas. Assim, ao deixar ao abandono estradas que deve conservar, não há uma grave omissão culposa do agente estatal?

Por outro lado, deve-se lembrar que o INSS também é causador de danos aos cidadãos que buscam os seus benefícios. Nessa linha, os casos de negação de pedidos, sem o devido fundamento legal, a demora na obtenção de uma resposta para as postulações administrativas e tantos outros fatos não têm sido geralmente considerados suficientes pelo Judiciário para ensejar o pagamento de danos morais e materiais. Dois pesos, duas medidas?

Por fim, indaga-se: a despeito da correção jurídica da medida, não seria mais adequado que as forças do INSS se voltassem ao melhor atendimento da população que busca os seus serviços e a uma revisão de sua política de concessão de seus benefícios? Nessa linha, evitaria gastos para o Estado como um todo em face da propositura de demandas, o que hoje coloca o INSS no topo da lista dos maiores "clientes" da Justiça.

Por que não se dedicar preferencialmente a suas atribuições específicas, no âmbito das quais, com mais criatividade, poderia aliar eficiência gerencial a maior proteção social?

* Marcus Orione é livre-docente e professor de direito previdenciário da Faculdade de Direito da USP

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